Início » Indústria brasileira projeta falta de mais de 500 mil profissionais para atender à transição energética
Economia

Indústria brasileira projeta falta de mais de 500 mil profissionais para atender à transição energética

Até 2025, o Brasil enfrentará uma escassez de 532 mil profissionais em várias áreas tecnológicas. Este déficit é impulsionado pela transição energética, que exige competências para lidar com a descarbonização da indústria e a mobilidade elétrica.

Esta previsão faz parte de um estudo realizado pela Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), que tem sido referência para a Ford justificar seus investimentos na capacitação de profissionais locais. Segundo informações da Folha de S. Paulo, a gigante americana não está sozinha nesta jornada. Montadoras, fornecedores e startups têm desenvolvido programas de treinamento para capacitar jovens trabalhadores e atrair talentos.

A Gi Group Holding, uma multinacional focada em estudos sobre o mercado de trabalho, entrevistou 6.700 profissionais da indústria automotiva em 11 países para identificar as competências mais desejadas por suas empresas. No Brasil, 53% dos entrevistados expressaram a necessidade de mão de obra qualificada para lidar com tecnologias de veículos elétricos, acima da média global de 35,1%. Além disso, 40% dos entrevistados no país mencionaram a necessidade de conhecimentos em IA (inteligência artificial) e aprendizado de máquina, também acima da média global de 33,6%.

Djansen Alexandre Dias, gerente da divisão de indústria na Gi Group Holding, afirma que o déficit era esperado, mas foi ampliado devido à modernização dos veículos, que agora incluem itens de segurança e sistemas autônomos. “Esse movimento já estava em andamento há algum tempo e coincidiu com o início da eletrificação dos veículos em meio à transição energética”, diz Dias.

Para as empresas, o momento é de reconquista. “O setor automotivo enfrenta esse desafio e compete com fintechs e startups”, afirma Dias. Ele acrescenta que a pandemia acelerou o processo de globalização da mão de obra especializada através do trabalho remoto. Como resultado, o Brasil não é o mais atraente em termos de salário, então os profissionais vivem aqui e trabalham para outros países.

Daí a importância dos fabricantes oferecerem programas de formação. Além de demonstrarem que a demanda por mão de obra, mesmo no nível técnico, não se limita às linhas de produção tradicionais.

Márcio Tonani, vice-presidente sênior dos centros técnicos de engenharia do grupo Stellantis para a América do Sul, afirma que a formação de profissionais é uma característica das montadoras, e que a eletrificação, embora não seja exatamente uma novidade, traz outros pontos que exigem capacitação.

A empresa tem parcerias com instituições de ensino superior e técnico em diferentes estados, como a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a Unicamp (Universidade de Campinas) e o CIT Senai (Centro de Inovação e Tecnologia, em Minas Gerais). “Promovemos seminários para despertar o interesse sobre o quanto a indústria automotiva é tecnológica. Ministramos cursos dentro das grandes faculdades de engenharia e parcerias vão sendo criadas, como as desenvolvidas com a Bosch e a ZF”, afirma Tonani, citando dois dos principais fornecedores de componentes eletrônicos do setor.

Portanto, a mão de obra que começa a ser formada nas faculdades e nos cursos técnicos não é voltada exclusivamente para as montadoras. No caso da Ford, por exemplo, os jovens capacitados no programa Enter, lançado em 2023, são direcionados para o mercado de trabalho por meio da parceria com o Senai-SP.

“É uma grande oportunidade para nós, temos pessoas que foram treinadas e hoje são nossas estagiárias. Ficamos de olho nos talentos, mas não é só para a Ford”, diz Rogelio Golfarb, vice-presidente da montadora na América do Sul.

Em seu primeiro ano, o programa Ford Enter ofereceu 200 vagas na área de tecnologia da informação e teve mais de 9.000 inscritos. A montadora afirma que cerca de 50% dos egressos das duas primeiras turmas já foram inseridos no mercado de trabalho, e a maioria seguiu com os estudos, segundo a empresa.

Embora não tenha mais fábricas de automóveis instaladas no Brasil, a montadora americana mantém centros de pesquisa e desenvolvimento globais em São Paulo e na Bahia, além de empregar cerca de 1.500 engenheiros no país.

O público-alvo da Ford é formado por jovens de baixa renda que têm dificuldade em acessar os cursos de formação que envolvem as habilidades mais desejadas pela indústria atualmente.

“As tendências de contratações indicam que, nos próximos cinco anos, haverá

maior demanda no mercado automotivo brasileiro por especialistas em tecnologia da informação e engenheiros automotivos, ambos empatados com 47%, seguidos por designers automotivos (34%)”, diz o estudo divulgado pelo Gi Group Holding.

Apesar de os dados da pesquisa mostrarem um cenário positivo quando analisados como oportunidades de emprego, as informações divulgadas pela Ford ao apresentar o programa Enter são preocupantes.

Com base em uma pesquisa do ManpowerGroup, o material preparado pela empresa mostrou que o Brasil está entre os dez países com maior dificuldade em preencher vagas qualificadas, principalmente no segmento de tecnologia da informação.

A Ford cita ainda um estudo da Amcham publicado em dezembro de 2023, que entrevistou 153 empresas. Dessas, 97% relataram dificuldades para contratar profissionais capacitados na área de tecnologia, sendo que 37% disseram ter muita dificuldade.

Ainda segundo esse levantamento, 25% das companhias relataram que a falta de capacitação é a maior dificuldade para contratação de profissionais em áreas relacionadas a tecnologias.

Com a transição energética em curso, jovens profissionais que possuam as habilidades demandadas tendem a ser aproveitados em vagas que, antes, estariam nas operações fabris. Mas para que isso ocorra, é necessário que a formação e o parque tecnológico da indústria nacional evoluam.

“Vemos muitos estrangeiros nas grandes empresas do Brasil. Por quê? Por falta de formação”, diz Valter Pieracciani, sócio-fundador da empresa especializada em gestão que leva o seu sobrenome.

“O programa Mover [Mobilidade Verde e Sustentabilidade] talvez promova a relocalização de linhas de produção e preserve empregos, mas não dá para ter essa relocalização com baixa produtividade. Em vez de sermos produtivos em enormes volumes, podemos ser competitivos em pequenos volumes e desenvolvendo tecnologias a etanol, por exemplo”, afirma o especialista.

“O cenário de 2035 não é de eletrificação plena, e não seremos campeões de carros elétricos no mundo. Teremos uma combinação de várias soluções juntas, como o hidrogênio verde, o biodiesel e o carro híbrido flex. Eu apostaria no que fazemos bem, e se pelo menos algumas das novas tecnologias não forem brasileiras, não teremos empregos.”

Para Francisco Tripodi, sócio-diretor da Pieracciani, há ações de capacitação elencadas no programa Mover, que estão ligadas, principalmente, ao setor de autopeças.

“Estão terceirizando para as empresas beneficiárias do programa, mas acredito que seria mais estruturante que [os incentivos] fossem direcionados também para as instituições de ensino que promovem a formação [dos profissionais]”, afirma Tripodi.

Segundo o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), a capacitação de mão de obra –por meio de treinamentos, cursos profissionalizantes, graduação e pós-graduação– está incluída nas etapas de pesquisa e desenvolvimento elegíveis para a apuração de créditos financeiros.

Na regulamentação do Mover, publicada no dia 26 de março, o ministério destaca programas de residência tecnológica e parcerias entre empresas e instituições de ensino de diferentes níveis (com inserção no mercado de trabalho por meio de estágio, por exemplo) como parte das atividades que podem ser consideradas para concessão de benefícios tributários.

source