Ele queria ser economista para transformar a vida das pessoas. Ao ingressar na universidade, não demorou muito para descobrir que em vez de números, precisaria de cores e movimentos para alcançar seu objetivo mais velozmente.
Abandonou economia para dar aulas de artes e começou a desenhar aí o seu próprio destino em direção a uma revisão de padrões, valores e da própria história.
Descolonização e países de língua portuguesa
Hoje, Jaime Lauriano tem 18 anos de experiência como artista plástico, escritor e cineasta. Um de seus temas centrais é a cultura africana, ancestralidade e estruturas de poder. Suas obras expostas no Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Mali e Portugal, entre outros países, falam de colonização e descolonização, amarras e renovação de pensamentos e horizontes. E para ele, os países de língua portuguesa serão protagonistas nesse debate.
“E eu vejo que houve uma mudança muito grande. E as novas gerações que começam a surgir agora já trazem um novo jeito de se pensar o enfrentamento ao racismo. Pensando mais não só numa revisão histórica, mas pensando numa ideia de se apontar futuros. Então, eu acredito que, nos próximos anos, a gente vai ver eclodir um novo pensamento de construção de sociedade. E eu vejo os países de língua portuguesa como centrais nessa discussão.”
Países gerando culturas
Para Jaime Lauriano, somente a cultura é capaz de gerar um encontro de culturas para combater o preconceito e as injustiças da ignorância e da violência.
O artista plástico fala de um passado escravagista, de fronteiras, traumas e narrativas históricas que precisam ser confrontadas. Na entrevista à ONU News, ele citou a necessidade de revisão histórica e disse que a ONU tem um papel central no fomento e prática de mais compreensão entre povos e nações.
Prêmios no Brasil e no exterior
Formado pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, em 2010, ele já assinou várias exibições de artes como “Marcas”, no Recife, e “Histórias Afro-Atlânticas”, em São Paulo.
Também recebeu vários prêmios no Brasil e exterior. Em novembro, Jaime Lauriano passou em Nova Iorque, onde conversou com o Podcast ONU News sobre racismo, mudanças e sobretudo um futuro de mais esperança.
Acompanhe a íntegra da conversa com Monica Grayley:
ONU News: Jaime, novembro de 2024. O mundo está melhor no combate ao racismo?
Jaime Lauriano: É uma pergunta com resposta complexa. Eu acho que sim, mas também tem o problema de que esses avanços que a gente conseguiu, durante vários séculos, eles também trouxeram uma onda reacionária. Uma reação contra essas lutas e esses avanços que redunda em autocracias calcadas na supremacia branca seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, seja em Portugal. A gente vê a ascensão de uma extrema direita. Eu diria que sim. Só que ainda tem muita luta para conseguir estabilizar essas conquistas. Tivemos muitas conquistas, mas como são recentes, elas ainda são frágeis. E todo um pensamento colonial que persiste em acontecer, ele tenta reagir para acabar com essas conquistas.
ONU News: Você falou do Brasil, que é o país de onde você vem, onde você nasceu. Mas também tem Estados Unidos, Alemanha, Portugal que são países onde você já expôs e continua expondo. Me fala um pouquinho da reação do público. Um pouco de cada lugar?
JL: É interessante, Monica, porque eu vivi dois anos e meio em Portugal, no Porto. E eu achei que quando chegasse lá, eu teria uma reverberação maior das discussões que eu tinha.
ON: Por quê?
JL: Por ser um país de língua portuguesa, um país que foi a metrópole, a gente foi a colônia, eu achei que conseguiria ter uma discussão mais aprofundada. Mas eu acho que tem uma resistência ainda dentro da sociedade portuguesa de discutir os crimes da escravidão. Mas, porém, passados quatros anos. Eu consegui voltar lá e ter uma discussão dentro das universidades, como a Universidade Católica Portuguesa, eu participei de uma Summer School agora… E aqui, nos Estados Unidos, eu sinto uma discussão mais próxima com a discussão do Brasil. Da questão de combate ao racismo, da decolonialidade, muito por conta que fomos colônias. Tanto Brasil, como Estados Unidos foi colônia então a necessidade de se pensar uma decolonialidade é muito maior do que nas metrópoles. Como na Alemanha, como em Portugal.
Eu trabalho como artista plástico, escritor e cineasta há 18 anos. E eu vejo que houve uma mudança muito grande. E as novas gerações que começam a surgir agora já trazem um novo jeito de se pensar o enfrentamento ao racismo. Pensando mais não só numa revisão histórica, mas pensando numa ideia de se apontar futuros. Então, eu acredito que, nos próximos anos, a gente vai ver eclodir um novo pensamento de construção de sociedade. E eu vejo os países de língua portuguesa como centrais nessa discussão.
ON: Você acha que eles vão alavancar, ou já estão alavancando (esse papel) pela sua própria experiência histórica?
JL: Eu acredito que sim. Os países de língua portuguesa estão trazendo novos pensamentos, que talvez pela sua latinidade é totalmente diferente do pensamento anglo-saxão, da colonidade.
ON: E essa mudança que você vê nos jovens. Ela é atribuída a quê? Redes sociais, mais conversa, mais pensamento?
JL: Eu acho que tem dois fatores. Um fator é aproveitar as conquistas que foram feitas pelas outras gerações, como eu aproveitei. E sim, a hiperconectividade que se tem a partir das redes sociais, mesmo com advento maior de podcasts, de vídeocasts, onde a notícia não fica restrita somente a um tipo de canal. Essa disseminação das mídias e da forma de produção de conteúdo fez com que uma pessoa no Brasil pudesse estar em contato com uma pessoa em Angola, mais facilmente, como nos Estados Unidos, em Portugal, em Moçambique. Então, as redes se tornaram muito mais efetivas por conta de uma velocidade, de uma rapidez. Isso é uma coisa difícil de se voltar atrás. Mesmo com o movimento reacionários querendo circunscrever as revoluções. Eu acredito que a hiperconectividade é uma revolução inegociável. Ela não consegue mais voltar. Isso faz com que a gente consiga entender melhor o que está acontecendo em outros países. Então, aprender com outros países, com outras produções culturais, artísticas e ensinar também com isso.
ON: E como foi esse seu interesse pela arte?
JL: Nossa. É engraçado, Monica. A minha formação toda era para ser economista, para trabalhar em bancos públicos, e tentar trabalhar com multilateralismo por isso é interessante estar aqui na ONU. A minha ideia de carreira era tentar entender como a Economia pode ser um agente transformador da sociedade, com bancos públicos e tal. E eu cansei dessa coisa porque eu não via como mudar a subjetividade. Eu passei na USP, mas não entrei. Fiquei uns 6, 7 meses sem saber o que eu queria. E eu comecei trabalhar numa ONG dando aula de artes e tecnologia. Eu trabalhava com tecnologia e fui fazer faculdade de artes porque eu queria fazer artes ou pedagogia, mas achei que ia ficar só seis meses.
ON: E aí se apaixonou….
JL: Me apaixonei. Eu sempre falo que a minha paixão primeiro veio pelo ofício de lecionar. Ser professor, eu queria ser professor. E descobri que como artista também poderia trabalhar como professor só que espalhando muito mais conhecimento que não ficaria só dentro da sala de aula. E também conseguiria levar meu trabalho como artista para dentro da sala de aula.
ON: Jaime Lauriano, é uma pena que a gente tem tão pouco tempo. Mas você tocou num assunto importante: multilateralismo. Como a agenda das Nações Unidas inspira seu trabalho?
JL: Quando eu comecei a tentar trazer a arte, a minha ideia de multilateralismo, eu comecei a entender que as Nações Unidas seriam uma fonte de pesquisa também. Eu acredito que o fomento que as Nações Unidas dão à cultura, e a cultura como uma centralidade também da ideia de multilateralismo da ONU, é um pensamento que a gente tem que levar cada vez mais adiante às nações. A cultura é o lugar onde a gente consegue, na essência, juntar culturas, juntar países e pensar soluções para que o mundo melhore. Sem cultura, a gente não tem nada por que cultura é comida, é o jeito de falar, o jeito de vestir, o jeito de andar…
ON: O jeito de se relacionar…
JL: O jeito de se relacionar. O jeito que a gente consegue destruir preconceitos porque quando a gente entende que a cultura é única em cada país, mas que ela pode estar em contato, a gente percebe que o preconceito é uma coisa anticultural por excelência. E para mim, a ONU ocupa esse lugar. E, cada vez mais, eu peço para meus orixás, que os presidentes dos Conselhos da ONU entendam que a cultura, que para além da economia, a cultura tinha que ser centralidade nas discussões políticas, na Assembleia Geral. Quando a gente valoriza a cultura logo a economia também vem junto. A gente consegue que entender que os países têm suas idiossincrasias e essas idiossincrasias têm que ser louvadas e não rebaixadas. Então, eu acredito que a gente está conseguindo isso a duras penas e a passos pequenos. Mas acredito que a ONU tem grande centralidade nisso. E por isso, quando existem governos reacionários, eles tentam não participar da ONU porque querem acabar com o multiculturalismo, multilateralismo e essa quebra de preconceito.